Dorothy

Eu nunca fui como a Priscila Presley, logo, nunca a rainha da beleza. O criador de sonhos tingiu meu cabelo de ruivo no último verão. Eu cantava na esperança de parecer minimamente a Hedy Lamarr em algum novo musical sobre como não parecer – ser, pensar ou sentir – o ponto vermelho dentre todas as garotas morenas que platinavam os cabelos para obterem alguma chance no show bis, mas eu esperei o convite para usar os sapatos vermelhos de Dorothy quando os fogos deixaram de brilhar no céu, e talvez tenha sido esse o meu erro, pensei e senti. Subversiva, vez ou outra, a própria falha reconhecendo o erro no reflexo do retrovisor.
É sempre mais fácil dizer que sou o erro quando a dor só dói em mim, eles estão cantando “life on mars” e eu estou recluso em um lugar onde ninguém sabe o meu nome. Eles estão cantando “life on mars” e essa é apenas uma única faísca da rebeldia e autenticidade que se pede em grandes revoluções. Eles estão cantando “life on mars” e é a única música que sabem cantar, mais de um musical chato que se contradiz a cada novo verso. Porém, “life on mars” é revolucionário, tal qual pensar, tal qual sentir, tal qual deixar todos os ferimentos à mostra. Não estamos a criar o novo melhor registro da América, estamos apenas revivendo a vida previsível de todas as garotas que viveram à base de barbitúricos e deixaram pedaços em cada novo camarim. Ela foi como um anjo, usou os sapatos da Dorothy e ela era a Dorothy, andou por uma estrada de tijolos amarelos, mas não era como a Hedy Lamarr. Ela cantou Somewhere over the rainbow, mas a Hedy Lamarr inventou o wi-fi. Ela deu o melhor em tudo que se propôs, mas que não era como a Hedy Lamarr, assim como a Norma e a Marilyn, assim como a Priscila e eu, incompreensível, monólogo de Orfeu, o lugar onde as pessoas passam o tempo, até que a festa acaba e os sapatos vermelhos de Dorothy passam a ser meus, como um prêmio de consolo por ter que limpar toda a sujeira sozinho. Eles poderiam me levar à Pasárgada, Coney Island, Tão tão distante, mas a memória é a mesma, eu penso, sinto, e continuo fluindo como um rio que sempre flui, para todos os limites e além, mesmo que me façam sangrar enquanto dou o melhor de mim, você parecia com algo real, algo bonito, você parecia com algo que brilha, você parece, mas quebra tudo o que toca, você não é capaz de enxergar nada além de você, nada que não te faça chorar, nada que não te faça sangrar, nada.

Autor: E G Viana

Minhas contradições são minhas melhores amigas.

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