Centro Histórico

Todos os meus amigos enlouqueceram em busca de uma ideia fixa, a fantasia de um lugar bonito como apenas Dorothy conseguiu, apenas Dorothy, nem mesmo a Judy, embarcaram em uma espécie de retiro sobre um tipo de amor que nunca entenderei, não é fácil entender, ninguém entende a insolubilidade dessas certezas. Eu era jovem demais e vi tudo desaparecer assim de uma vez, como num bater de sapatos vermelhos, eles cantavam quando criança uma canção estúpida sobre como meu pai foi embora, completavam berrando “Deus está morto”.

Resolvemos sair da cidade no último verão, dirigimos pela primeira vez na estrada, eu costumava dirigir em círculos quando vivia no litoral, a sensação de buscar algum delírio juvenil em uma nova cidade sem se quer sair do lugar, alguns dizem que não sou jovem o bastante para tanto, ver os olhos girarem e se entorpecer com uma dose violenta de alguma coisa, por isso te liguei ontem à noite, a festa estava vazia, chata, eles me chamaram de louco quando ouviram Radiohead no último volume, todos sabem que você não abraçou a sua mãe naquele final de semana, NO SURPRISES, você mentiu e eu te esperei o dia inteiro, domingos são chatos os meus amigos saíram do litoral, todos sabem sobre você, eu estive dançando sozinho no terraço com uma roupa que eu mesmo desenhei mas você não viu, o que me fez pensar que em algum momento enlouqueceria como os meus amigos enlouqueceram.

Eu queria sentir sua falta como senti saudades de Violet quando a lagoa o submergiu, eu queria sentir sua falta, sendo sincero como não se pode ser, você me quebrou mais de uma vez e eu não te contei como isso doeu de verdade, lembra? Eu fotografei um pôster no centro histórico, ele contava em letras garrafais como no dia em que tingiram o céu artificialmente de rosa com um trecho de “A paixão segundo GH” ninguém entendeu nada mas eu fotografei “Jim Morrison, O POETA AMERICANO”, cinturões de maconha, palavras preferidas, peiote e solidão, nós éramos como estranhos conhecidos, e eu ainda mais como uma criança rebelde dizendo não às regras e confiando em “estranhos bons”, todos os estranhos bons te ferem exatamente onde dói, parece excitante, é mais excitante que o aditivo, você não acredita em mim porquê tudo o que sinto é sólido, tudo que sinto te assusta, a subversão assusta, a verdade te assusta quando ela não vem de você! Aquela foi a primeira vez que fui ao centro histórico, contei todos aqueles sentimentalismos, foi como a primeira vez que confiei em alguém e quando chegamos em casa éramos desconhecidos fodidos, perdidos em nossa própria casa com um sorvete de goiaba derretendo. Te escrevi um SMS porquê não sabia dizer sem te machucar, foi assim , eu e meu pai não éramos amigos, eu deixei escorrer até a última gota de sangue para que a ferida pudesse sarar, nós não somos amigos meu bem, nós nunca fomos! Você é um desconhecido com um sorvete de goiaba derretendo em minha cama, Deus está vivo, meu pai não foi embora, eu estou finalmente feliz agora que você se foi.

Autor: E G Viana

Minhas contradições são minhas melhores amigas.

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