2005

Ouvi o disco “Saúde” pela primeira vez no ano de 2005, ele estava tocando em um daqueles sons híbridos que conciliavam vinil e k7, nada fazia sentido para mim, mas alguma coisa parecia visceral naquele disco, aquelas verdades que nunca são ditas em voz alta estavam lá… Eu tinha 8 anos, tinha medo do escuro e gostava de observar o céu no mês de abril, vez ou outra sinto como se ainda fosse uma criança de 8 anos, e se as verdades de anos atrás pareciam assustadoras para mim, as mentiras de hoje me parecem inconcebíveis, são as mesmas mentiras que me dão margem para novas escritas, são as mesmas que me fazem pensar em ficar em meu quarto com a luz acessa como quando eu tinha 8 anos, nunca imaginei que seria tão difícil ser de verdade, sobretudo agora, de qualquer forma não há espaço para alguma mentira aqui, nem aquelas que são ditas devagarzinho, até mesmo as flores de plástico espalhadas pela casa são reais, desempenham um papel real, exalam aroma real, definham de forma real, tudo aqui é de verdade, eu abraço todas as minhas fortalezas e da mesma forma as minhas fragilidades… Rita faria 76 anos no dia 31, é estranho pensar em um mundo sem a sua contribuição, de qualquer forma todas as verdades cantadas por ela continuam ecoando como se estivéssemos em 2005, como se eu ainda fosse uma criança de 8 anos que tem medo do escuro e observa o  céu em abril, a sua música continua fazendo muita gente feliz, seja por abraçar suas fragilidades e fortalezas, seja por aprender com as bruxas e nunca com as peruas.

Rita Lee Jones

Codinome Summer menos Rita Lee, coisa incompreensível, mais incompreensível que Orfeu menos Eurídice! Não faria sentido escrever em outro lugar para você, eu vou escrever aqui porque é aqui que escrevo sobre os meus maiores amores, aventuras, desventuras, esse é o lugar da memória onde todos aqueles que amo são infinitos… Rita, eu amo você e toda a sua obra como se ama um jardim, como se ama uma vó, uma mãe, um pai, como se ama e isso é tão difícil de escrever porque não existe uma palavra que simplifique o sentimento, nem mesmo um “Eu te amo”, “Não te amo”, “Te odeio”… Obrigado por ser, estar, sentir e me fazer entender através de toda alquimia que foi e é a sua música, que não há nada de errado em ser quem se é e sentir o que se sente, você é infinita aqui e em qualquer lugar do universo.

Breakfast at Tiffany’s

Não tivemos girassóis no fim do ano em que nos conhecemos, eu era como um estranho qualquer dançando uma valsa imaginária no terraço do prédio antigo, você sabe, nunca é um adeus quando dirijo para algum lugar distante, vivo pensando em bandolins imaginários, Oswaldos imaginários, palavras preferidas, dentes de leão, eu guardei você e todos os meus melhores amigos em algum lugar da memória onde ninguém terá acesso, dentro do meu livro Fahrenheit 451, ainda bebo refrigerante de laranja, miguelzinho é o meu cacto de estimação, Naomi é o nome do meu gato, nunca é um adeus quando dirijo para algum lugar distante, mesmo que isso signifique fluir como um rio sempre fluente.

Foi assim quando o barnabé se foi, não tivemos girassóis naquele ano, e eu me perdi em inúmeras histórias sobre como poderia ser melhor, diferente, sobre como não deveria pensar ou sentir, sobre como todas as minhas relações são sólidas, e talvez esse seja o motivo pelo qual devo dizer adeus para todas as pessoas que amo, dói pensar que alguém falou isso em voz alta, você sabe, é difícil dizer, mas eu precisei fugir daquela história que agora faz um ano, eu fugi como todos os covardes fazem, não disse adeus para violet, não me despedi do vizinho estranho, tão estranho quanto eu, perdi todos os meus pôsters sobre “O fabuloso destino de Amélie Poulain”, mas você sabe, nunca é um adeus quando dirijo para algum lugar distante, estou sempre pensando em como todas as lembranças ruins poderiam sair de mim, sobre como poderia trazer todos vocês para mais perto de mim.

Foi assim quando dei o nome de Summer para o meu violão mais novo, espero que ele não tenha se chateado porque não pude dizer que o amava quando tive a oportunidade, agora digo todos os dias para o meu violão como se o abraçasse com todo amor que ainda existe em algum lugar do mundo, você sabe, nunca é um adeus quando dirijo para algum lugar distante, desejo viver todos os delírios adolescentes, todos os meus sonhos mais bonitos, assim como desejo ver todos vocês felizes, não importa o quão longe esteja, eu guardei você e todos os meus melhores amigos em algum lugar da memória onde ninguém terá acesso, ainda não sei tocar Moon River, não pareço a Lola Mae, acordei e percebi que isso não parece o Breakfast at Tiffany’s , tudo o que dói, dói de verdade, tudo o que é sonho é bonito de verdade.

Centro Histórico

Todos os meus amigos enlouqueceram em busca de uma ideia fixa, a fantasia de um lugar bonito como apenas Dorothy conseguiu, apenas Dorothy, nem mesmo a Judy, embarcaram em uma espécie de retiro sobre um tipo de amor que nunca entenderei, não é fácil entender, ninguém entende a insolubilidade dessas certezas. Eu era jovem demais e vi tudo desaparecer assim de uma vez, como num bater de sapatos vermelhos, eles cantavam quando criança uma canção estúpida sobre como meu pai foi embora, completavam berrando “Deus está morto”.

Resolvemos sair da cidade no último verão, dirigimos pela primeira vez na estrada, eu costumava dirigir em círculos quando vivia no litoral, a sensação de buscar algum delírio juvenil em uma nova cidade sem se quer sair do lugar, alguns dizem que não sou jovem o bastante para tanto, ver os olhos girarem e se entorpecer com uma dose violenta de alguma coisa, por isso te liguei ontem à noite, a festa estava vazia, chata, eles me chamaram de louco quando ouviram Radiohead no último volume, todos sabem que você não abraçou a sua mãe naquele final de semana, NO SURPRISES, você mentiu e eu te esperei o dia inteiro, domingos são chatos os meus amigos saíram do litoral, todos sabem sobre você, eu estive dançando sozinho no terraço com uma roupa que eu mesmo desenhei mas você não viu, o que me fez pensar que em algum momento enlouqueceria como os meus amigos enlouqueceram.

Eu queria sentir sua falta como senti saudades de Violet quando a lagoa o submergiu, eu queria sentir sua falta, sendo sincero como não se pode ser, você me quebrou mais de uma vez e eu não te contei como isso doeu de verdade, lembra? Eu fotografei um pôster no centro histórico, ele contava em letras garrafais como no dia em que tingiram o céu artificialmente de rosa com um trecho de “A paixão segundo GH” ninguém entendeu nada mas eu fotografei “Jim Morrison, O POETA AMERICANO”, cinturões de maconha, palavras preferidas, peiote e solidão, nós éramos como estranhos conhecidos, e eu ainda mais como uma criança rebelde dizendo não às regras e confiando em “estranhos bons”, todos os estranhos bons te ferem exatamente onde dói, parece excitante, é mais excitante que o aditivo, você não acredita em mim porquê tudo o que sinto é sólido, tudo que sinto te assusta, a subversão assusta, a verdade te assusta quando ela não vem de você! Aquela foi a primeira vez que fui ao centro histórico, contei todos aqueles sentimentalismos, foi como a primeira vez que confiei em alguém e quando chegamos em casa éramos desconhecidos fodidos, perdidos em nossa própria casa com um sorvete de goiaba derretendo. Te escrevi um SMS porquê não sabia dizer sem te machucar, foi assim , eu e meu pai não éramos amigos, eu deixei escorrer até a última gota de sangue para que a ferida pudesse sarar, nós não somos amigos meu bem, nós nunca fomos! Você é um desconhecido com um sorvete de goiaba derretendo em minha cama, Deus está vivo, meu pai não foi embora, eu estou finalmente feliz agora que você se foi.

A sinfonia noturna dos sapos e os sonetos dedicados às flores do mal.

Aquele foi o meu último soneto sobre Violet, uma cantata triste na beira da lagoa, dois estranhos covardes aparando a chuva em um sombreiro minúsculo enquanto a cantata parecia ecoar para além da sinfonia dos sapos, dois estranhos observando a última gota de sentimentalismo escorrer. Flores pronunciadas milhões de vezes como Charles Baudelaire  reanimando flores, escrevendo poesias para as flores do mal, como se as Beladonas não fossem angelicais, flores como se todas as flores precisassem da verbalização para exalarem aromas particulares, flores como se até mesmo as flores de plástico fossem eternas, pensei, talvez assim seja o amor, como se a simples pronúncia o tornasse real.

Amor como se todo amor fosse extravagante, amor como se nenhum amor fosse amor em silêncio, amor milhões de vezes como se o amor precisasse da verbalização, como se todas as pessoas soubessem amar em silêncio, como se fosse inadequado amar em silêncio, e eu amo, nas poesias, nos melismas, no caos, no elementar… O amor mil vezes  anunciado, veiculado, nocivo, o perigo, idéia de quem conta anedotas, esse amor é tão perigoso quanto as flores do mal, foi você quem inventou o perigo, o medo de amar, o medo da chuva mas antes mesmo de me ferir o amor foi lindo, foi lindo nas estradas de barro, nas casas de taipa, nas flores de plástico e até mesmo naquelas que foram colhidas no fundo de casa, as folhas viçosas o cheiro acentuado de alguma coisa que acabou de ser roubada, elas estão no vaso desde o ano passado, abril para ser exato, esse foi o último alinhamento que enxerguei à olho nú,  parado, lunático apontando a direção, me movendo para onde ela apontava estática me observando ser quebrado em vários pedaços.

O meu delírio de fato parece uma brincadeira infantil, uma criança interiorana deslumbrada com a fumaça dos carros, o cheiro desagradável, os olhares, o oásis no meio das construções iluminadas, aquele foi o meu lar, a poesia estava lá, a sinfonia noturna estava lá, os pássaros noturnos cantavam, mas você criou o medo de amar, o medo da chuva, e eu jurei por um tempo que era de fato inadequado amar em silêncio, o meu amor é silencioso  como um sol torto desenhado no canto da prova de matemática no jardim de infância, há quem encontre idéias subliminares, quintas intenções, mas é amor exagerado, expressivo, tranquilo, é amor em totalidade, não tem mistério, elementar como as flores do mal, como o cheiro das flores de plástico, como dois estranhos aparando a chuva com um sombreiro minúsculo observando a última gota de sentimentalismo escorrer.

Todos os abril’s são fatais.

Violet,  nome não proposital do dente de leão que se afogou em uma das inevitáveis enchentes no anfiteatro dos prédios iluminados, o deck flutuante em minha antiga casa, o primeiro lugar curiosamente estranho onde eu pude ser e estar, peculiaridades que não resistiram à marços e abril’s, todos os abril’s são fatais mas eu os amo, e foi assim naquela história que faz quase um ano, que me quebrou em milhões de pedaços mais de uma vez, só para que eu pudesse colar, e colar, e colar incansavelmente.

Eu aceitei asas como as de ícaro, e ouvi falsos profetas falarem sobre amor, flutuei o mais longe possível, para litorais e casas amar-elas, me afoguei como Violet na enchente após despencar do céu pela milésima vez como todas as meninas ruivas e seus barbitúricos em um musical estranho sobre nunca ser suficiente, ele me quebrou novamente e agora eu não tenho mais 18 anos, me quebrou e eu não tenho tempo de curar uma ferida que sara hoje, ou talvez nunca, não sarou.

Me libertei de mim como quem ateia fogo em um corpo polido de tudo o que a mediocridade venera e assim fui obrigado a aprender sobre amor com todas as pessoas que realmente me amam, não houve alinhamentos de estrelas, tão pouco falhas na matrix, nenhuma profecia se cumpriu, nenhuma dor doeu mais e pior, nenhuma paz foi constrangedora, nada ficou no lugar e eu segui como Violet um dia após a enchente,  transformando todas as coisas insignificantes em monumentos, extravagantes, todos os microsegundos em lições para a vida toda, todas as decepções em combustível

A wanna be de Amélie Poulain em um quase “desfabuloso” destino.

Todas as luzes azuis foram acesas por mim em alguma estância dessa existência, refletindo em meu corpo como milhões de sinos que badalam descontroladamente na onomatopeia que ninguém entende, a wanna be de Amélie Poulain distante de um fabuloso destino, e da sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida. Eles vivem de  achar que sou como um conceito de Macabéa com inocência parcialmente corrompida, esperando a hora da estrela, vomitando referências desconhecidas em um blog pseudo anônimo, e me entorpecendo  todas as noites com a dose violenta de qualquer coisa desde o dia em que o destino mais elementar foi me mudar do lugar onde pude ser eu pela primeira vez, mas eu sou como uma criança de oito anos que acende uma luz azul, que coleciona flores secas, miniaturas de capivara, e acredita que Rita lee é uma bruxa, você não entende e eu também não. Reza a lenda que por sorte ou descuido da matrix os garotos se  encontram quando as estrelas se alinham, mas o encontro é sempre trágico e doloroso, pois eles são jovens demais para o amor.

Dorothy

Eu nunca fui como a Priscila Presley, logo, nunca a rainha da beleza. O criador de sonhos tingiu meu cabelo de ruivo no último verão. Eu cantava na esperança de parecer minimamente a Hedy Lamarr em algum novo musical sobre como não parecer – ser, pensar ou sentir – o ponto vermelho dentre todas as garotas morenas que platinavam os cabelos para obterem alguma chance no show bis, mas eu esperei o convite para usar os sapatos vermelhos de Dorothy quando os fogos deixaram de brilhar no céu, e talvez tenha sido esse o meu erro, pensei e senti. Subversiva, vez ou outra, a própria falha reconhecendo o erro no reflexo do retrovisor.
É sempre mais fácil dizer que sou o erro quando a dor só dói em mim, eles estão cantando “life on mars” e eu estou recluso em um lugar onde ninguém sabe o meu nome. Eles estão cantando “life on mars” e essa é apenas uma única faísca da rebeldia e autenticidade que se pede em grandes revoluções. Eles estão cantando “life on mars” e é a única música que sabem cantar, mais de um musical chato que se contradiz a cada novo verso. Porém, “life on mars” é revolucionário, tal qual pensar, tal qual sentir, tal qual deixar todos os ferimentos à mostra. Não estamos a criar o novo melhor registro da América, estamos apenas revivendo a vida previsível de todas as garotas que viveram à base de barbitúricos e deixaram pedaços em cada novo camarim. Ela foi como um anjo, usou os sapatos da Dorothy e ela era a Dorothy, andou por uma estrada de tijolos amarelos, mas não era como a Hedy Lamarr. Ela cantou Somewhere over the rainbow, mas a Hedy Lamarr inventou o wi-fi. Ela deu o melhor em tudo que se propôs, mas que não era como a Hedy Lamarr, assim como a Norma e a Marilyn, assim como a Priscila e eu, incompreensível, monólogo de Orfeu, o lugar onde as pessoas passam o tempo, até que a festa acaba e os sapatos vermelhos de Dorothy passam a ser meus, como um prêmio de consolo por ter que limpar toda a sujeira sozinho. Eles poderiam me levar à Pasárgada, Coney Island, Tão tão distante, mas a memória é a mesma, eu penso, sinto, e continuo fluindo como um rio que sempre flui, para todos os limites e além, mesmo que me façam sangrar enquanto dou o melhor de mim, você parecia com algo real, algo bonito, você parecia com algo que brilha, você parece, mas quebra tudo o que toca, você não é capaz de enxergar nada além de você, nada que não te faça chorar, nada que não te faça sangrar, nada.